Muito mais que alface

Não basta se dizer vegetariano, deixar de comer carne e se empanturrar de batatas fritas.

É preciso saber substituir.

Cuidar da alimentação dos filhos dá trabalho, os pais bem sabem. Quando a família é vegetariana, então, a atenção precisa ser redobrada. Não basta tirar a carne das refeições da família e se dizer adepto do vegetarianismo imaginando, assim, uma vida mais saudável. É necessário saber substitui-la corretamente para que as crianças não cresçam com carência de nutrientes e ter paciência para explicar inúmeras vezes para avós, tios e amigos os motivos da sua escolha.
O ‘verdadeiro’ vegetariano é aquele que não come nenhum tipo de carne, nem mesmo peixe. O mais comum, no entanto, é o ovolactovegetariano, que não come carne, mas consome ovos e laticínios (leite e derivados), e o semivegetariano, que eventualmente inclui peixe ou ave no cardápio. Os veganos são vegetarianos ao extremo: não ingerem nem usam produtos de origem animal, como gelatina ou couro, por exemplo.
Qualquer uma dessas dietas pode ser seguida pelos pequenos, desde que os pais façam as substituições necessárias (veja exemplos no quadro). Afinal, a carne é, indiscutivelmente, o alimento proteico mais completo, pois tem aminoácidos essenciais em maiores proporções que a maioria dos vegetais. Quando bem planejada, de preferência com a orientação de um nutricionista, a alimentação vegetariana é adequada a todos os estágios da vida – da infância à gravidez. Estudos comparativos entre as crianças vegetarianas e as que comem carne, da Associação Dietética Americana e do grupo Nutricionistas do Canadá, mostram que ambos os grupos têm desenvolvimento semelhante.
Mas acreditar que excluir apenas a carne da dieta vai tornar sua família mais saudável é um erro. Uma pessoa que não come carne, mas se alimenta à base de batata frita e refrigerante todos os dias, por exemplo, é uma forte candidata à carência nutricional e à obesidade. Não dá para eliminar um grupo alimentar inteiro, sem trocá-lo por opções variadas e de qualidade. ‘Vegetarianos comem de tudo’, afirma o nutricionista George Guimarães, diretor da NutriVeg, consultoria de nutrição vegetariana. Segundo ele, a combinação de tipos variados de alimentos – leguminosas, cereais, oleaginosas, tubérculos, frutas, verduras e legumes – garante uma boa nutrição.
A longo prazo, o vegetarianismo estrito (que exclui qualquer tipo de derivados animais, como ovos e leite) pode causar deficiências nutricionais. A principal delas é a vitamina B12, encontrada somente em alimentos de origem animal. A reposição é obrigatória para grávidas, mulheres que amamentam e crianças. ‘A B12 está relacionada ao desenvolvimento do sistema neurológico e sangüíneo, então é melhor não arriscar’, afirma o médico nutrólogo Eric Slywitch, coordenador do Departamento de Medicina e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB). Já os demais têm de fazer exames regularmente para acompanhar o nível da vitamina no organismo e, quando necessário, suplementá-la.
Outro nutriente que merece atenção na dieta vegetariana é o ferro. Segundo a pediatra Roseli Sarni, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, a anemia ferropriva (falta de ferro) atinge 40% das crianças menores de 2 anos no Brasil. Como a carne vermelha é rica em ferro-heme (forma do mineral melhor absorvida pelo organismo), os vegetarianos têm de ficar atentos. Uma das formas de driblar o problema é aumentar o consumo de alimentos com vitamina C durante as refeições, pois a substância facilita a absorção do nutriente.
Obstáculos
Há cinco anos a produtora de eventos Roberta Von Doelinger baniu a carne do cardápio por causa de seu amor pelos animais. Aos poucos, transmitiu o hábito para as filhas Jéssyca, de 14 anos, e Amanda, 11. A mais nova, Marina, de 3 anos, nunca experimentou carne. A opção de Roberta vez ou outra é questionada. ‘Volta e meia familiares oferecem alimentos com carne para meus filhos e tenho de explicar tudo de novo’, diz.
Além de ficar atenta ao cardápio dos almoços em família, pais vegetarianos podem encontrar dificuldades fora de casa. Nem todos os restaurantes e hotéis, por exemplo, oferecem opções variadas de pratos sem carne e, na escola, devem avisar com antecedência que o filho não come carne. Apesar dos obstáculos, os benefícios da alimentação vegetariana podem compensar. Além do consumo menor de gordura saturada, aqueles que seguem uma alimentação balanceada tendem a ser mais magros. ‘Provavelmente porque comem mais fibras, que prolongam a saciedade, e menos proteínas e gorduras, resultando em menos calorias’, afirma a endocrinologista Ellen Paiva, do Centro Integrado de Terapia Nutricional (Citen).
Bebês e crianças pequenas seguem a dieta dos pais sem questionar. Mas, por volta dos 7 anos, os filhos de vegetarianos podem manifestar a curiosidade de experimentar os alimentos ‘diferentes’. Proibir as crianças de prová-los ou restringir sua vida social não é recomendável. Desde sempre, é importante deixar claro os motivos que levaram a família a seguir essa alimentação. Aos poucos, a criança irá entendê-los e, mais tarde, decidir se quer ou não adotá-la.
Onde encontrar:
Proteína: Em cereais, leguminosas e frutas oleaginosas (nozes e amêndoas, após seu filho completar 1 ano)
Ferro: Em melado de cana, gergelim, grão-de-bico, feijões, açaí e frutas secas. Evite chá, principalmente o preto, durante as refeições, pois dificulta a absorção do mineral
Cálcio: Em couve e brócolis
Vitamina D: Durante a exposição ao sol por 20 minutos, três vezes por semana, nos horários permitidos. Assim, o corpo sintetiza a vitamina. Caso contrário, são necessários suplementos
Zinco: Em castanha-de-caju, leguminosas (como feijão azuqui) e soja
Ômega 3: Em linhaça, alimentos à base de soja e óleos vegetais
Vitamina B12: Em suplementos, se estiver grávida, amamentando ou tiver filhos veganos

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