Posts Tagged ‘Animais’

A questão humana e o anarquismo

O símbolo da Veganarquia, de Brian A. Dominick.

O veganismo é uma prática moral que preza pela valorização da subjetividade dos animais não-humanos, evitando assim os abusos inerentes a objetificação dos mesmos. Contudo, tal definição per si seria especista. Por que não incluir nesse discurso a humanidade? Afinal, não existiria diferenças tão relevantes que permitiriam que o ser humano tivesse o ônus de poder ser, para conveniência de outrem, objetificado. Portanto, vejo que um dos maiores problemas teóricos de qualquer concepção que funda o veganismo, é a questão dos seres humanos. Continuar a ler

Salvando o coelho da raposa [1]

Steve F. Sapontzis
Tradução: Fátima Romani e André Luiz Pereira

Revisão técnica: Luciano Carlos Cunha

Nas discussões sobre direitos animais, a questão da predação é geralmente abordada tanto como uma racionalização da nossa matança dos animais ou como base para uma objeçãoredutio ad absurdum (“mostrando a que tolice isso pode conduzir”) à reivindicação de que nós somos moralmente obrigados a diminuir o sofrimento animal evitável e injustificado. A racionalização toma a forma “já que eles predam uns aos outros, nós estamos moralmente justificados a predá-los”. Esta resposta, “Deixe colherem o que semeam!” como dirigida à questão dos direitos animais, foi abordada no capítulo 6[1]. A Reductio, que será o objeto deste capítulo, toma então a seguinte forma: Continuar a ler

Anima nobili x Anima vili: nós, os senhores do universo e os outros animais, nossos escravos…

por Paula Brügger

Diversos autores1 têm demonstrado, de forma contundente, como são problemáticos os dados provenientes da vivissecção – a realização de operações ou estudos em animais vivos para a observação de determinados fenômenos. Sob o ponto de vista ético a vivissecção é ainda mais insustentável, embora seus praticantes insistam em defendê-la se valendo de argumentos que, em maior ou menor grau, são improcedentes2. O mais comum e tosco deles – repetido ad nauseam – geralmente se expressa na famosa pergunta: – se não testarmos em animais testaremos em pessoas, ou em criancinhas? (como se não existissem alternativas ou métodos substitutivos e como se os seres humanos não fizessem parte de etapa alguma da pesquisa, entre outras considerações). Continuar a ler

Nunca fui santo

por Rafael Jacobsen

Conversar com pessoas elevadas espiritualmente costuma ser tarefa difícil, principalmente quando o tópico resvala para a questão que se poderia denominar “compaixão pelos animais”. Sempre, nessas ocasiões, acabo me vendo obrigado a revelar o meu vegetarianismo. Na maioria das vezes, o espiritualizado interlocutor responde, com sua voz calma, cheia de paz: “Sim, você está certo; é uma pena que eu ainda não tenha atingido esse estágio de evolução.” E não, em 97% das vezes, não se trata de uma ironia: a outra pessoa, de fato, crê que, para se tornar vegetariano, o sujeito precisa estar nos mais altos degraus de uma espécie de hipotético “ranking de santidade”. Continuar a ler

Abolicionismo Animal

Texto sobre Abolicionismo Animal feito para a apostila do 1° Educaveg – reunião de veganos, vegetarianos e onívoros de Assis e região, realizada pelo coletivo V.I.D.A. (Veículo de Intervenção pelo Direito Animal) em conjunto com a Fábrica da Leitura

Assim como o racismo afirma a superioridade de um grupo racial sobre outro, e o sexismo a superioridade de um sexo perante outro, o termo ESPECISMO significa julgarmos uma espécie superior a outra. Na escravidão animal, o especismo qualifica e justifica a exploração de animais não-humanos por animais humanos. Assim como os brancos tentaram impor-se sobre os negros (racismo), ou os homens sobre as mulheres (sexismo), hoje nós, humanos, tentamos nos impor sobre outras espécies de animais não-humanas. Tornando-as simples objetos e mercadorias, sem valor inerente, ou seja, o valor de suas vidas está diretamente relacionado ao uso que nós fazemos dela. Deixamos, portanto, de considerar o interesse desses animais em sua própria vida e liberdade. Continuar a ler

Os animais têm que permanecer amarrados

por Marcio de Almeida Bueno

Pois os humanos têm o estranho fascínio de conter os animais não-humanos, acorrentar, acoleirar, prender, confinar, amarrar, colocar grilhões, cabresto, para impedir a livre movimentação. Para impedir que vá embora. Para manter dentro das fronteiras de sua propriedade. Para a ave que ainda pode escolher a rota de vôo, e especificamente pode voar, há uma que vê o mundo através das gradezinhas de um aquário – uma gaiola, olho como o derradeiro fiapo de liberdade. Cardumes rodam sem mapa de navegação, mas os atuns já ganharam seu chiqueiro, para que não saiam das bordas de um proprietário, tolhidos da possibilidade de, oceano extenso, ir em frente. Mas não se permite. Continuar a ler

Propaganda, bem-estarismo e abolicionismo

Na quase totalidade dos casos, embalagens e propagandas de produtos de origem animal são representativas de um “romantismo rural”. Os métodos de criação ilustrados são aqueles que se praticavam a tempos passados ou em produções de pequena escala, sendo os animais, supostamente, “bem tratados” e mantidos com seus “comportamentos naturais”. O que se vende é a imagem de que os animais vivem e transformam-se em alimento humano, sem horrores ou traumas. Poderíamos até pensar que se trata, tão-somente, de um engano, porém, não é apenas isso. O cerne da questão: mente-se sobre a realidade, e essa mentira passa isenta de críticas.

Os animais são vistos como objetos, artigos de posse e usufruto humanos e, por isso mesmo, a criação de animais e a produção de alimentos com base neles não causa estranheza alguma por parte da maioria das pessoas. A despeito do que nós, abolicionistas, queremos, essa realidade parece estar longe de se alterar. Por mais que assim seja, deveríamos dentre outras coisas, exigir que, por objeção de consciência, em respeito à tão defendida verdade, ficassem proibidos os mascaramentos (e quem sabe com isso, mais e mais pessoas, tomando ciência da verdade, abolissem, pra começar, a carne do cardápio).

A alusão a uma realidade inexistente deveria não ser permitida. Todo produto de origem animal deveria trazer em sua embalagem imagens do real “processo de fabricação”. Elas deveriam exibir a verdade sobre a indústria da carne e derivados com fotografias reais dos criadouros e abatedouros. Ninguém merece ser protegido dessa verdade. As pessoas precisam saber o que está envolvido com o “inocente” hábito de consumir carne, leite, ovos e derivados que as tradições e ciências mantêm e impõem.

Mesmo os mais “sensíveis” consumidores de carne, desprovidos de coragem ou necessidade de matar pelas próprias mãos deveriam saber que suas escolhas “limpas de sangue” demandam que outras pessoas (quase sempre sem escolha) tenham que perder a compaixão, criar coragem, engolir o asco e sujar as mãos, em abatedouros, frigoríficos e açougues[1]. Aos “consumidores limpos” precisa ser repassado todos os ônus – econômicos, ambientais, sociais e éticos – da morte provocada de animais para servir de alimento a humanos.

No ano de 1996, foi promulgada a Lei Nº. 9.296, posteriormente modificada pela Lei Nº. 10.167, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal[2]. Essas legislações se fizeram necessárias porque a realidade de até então era típica de uma “terra de ninguém” em que imperavam os interesses dos grandes fabricantes e comerciantes.

Pelo menos a situação dos produtos do tabaco mudou ostensivamente. As antigas propagandas de cigarro que exibiam modelos jovens, bonitos, bem-sucedidos, aventureiros e saudáveis, incentivando o consumo de cigarros como que pré-requisito para a obtenção de um estilo de vida invejável foram proibidas[3]. Percebeu-se a incoerência por trás dessas propagandas. Perfídia, deslealdade, falsidade, mentira, fraude, hipocrisia, fingimento, impostura, mascaramento, dissimulação, obnubilação: essas são palavras que nos servem para descrever aquela realidade.

Graças à lei, hoje, todos os produtos fumígeros devem trazer em suas embalagens, advertências do Ministério da Saúde. Os textos e as imagens são diversos e chocantes – porém verdadeiros. Os problemas relacionados com o tabagismo e comunicados são: necroses, gangrenas e amputações; câncer de pulmão e enfisema; derrame cerebral; doenças do coração; impotência sexual; aborto espontâneo; câncer de boca e perda de dentes; câncer de laringe; partos prematuros e nascimento de crianças com peso abaixo do normal; asma, pneumonia, sinusite e alergia em crianças que convivem com fumantes.

Com base nessa conquista para a verdade, o que podemos afirmar sobre as propagandas e embalagens de produtos animais atualmente em exibição e circulação? A semelhança não é nada forçada[4]. Do mesmo modo que anteriormente, pinta-se um quadro imaginário, mascara-se a realidade, vende-se uma ideia falseada: a das “vaquinhas felizes” em “campos floridos” que têm suas vidas drenadas de seus corpos de modo rápido e indolor. Quase se pode “ler” um altruísmo por parte dos animais, como se os mesmos se entregassem voluntariamente e de bom grado à “pira sacrificial” para a manutenção das “sagradas”, “indispensáveis” e “prioritárias” vidas humanas.

A maior e mais representativa meta dos veganos é o abolicionismo animal, a expansão da comunidade moral, a instauração do senciocentrismo em substituição ao antropocentrismo que impera (não igualitariamente em todos os lugares) há alguns séculos. Entretanto, nós, veganos, devemos reconhecer – infeliz, mas realisticamente – a impossibilidade de uma instalação imediata e irrestrita, e daí a necessidade de reconhecermos nossa luta como futurista, mas futurista no sentido de ‘que antecede’, ‘que apresenta o futuro’ e não no sentido que ‘delira e dita o impossível’. A luta vegana como denunciadora de uma realidade cruel e anunciadora de um novo mundo no qual há de haver novos modos de produzir, viver e conviver que se faz material e racionalmente, baseada em “planos” estratégicos.

Para dialogar com o exposto neste artigo, seguem algumas linhas escritas por Jean Pierre Verdaguer [5].

“Se houvesse tecnologia para entender o pensamento animal, e se com ela pudéssemos escutar o que diz um porco em sua baia minúscula, muito provavelmente ouviríamos ‘por favor, irmão, eu lhe imploro, trate de convencer os humanos de que não está certo o que fazem conosco’, numa súplica que nos indicaria claramente o caminho do abolicionismo.

Sendo honestos com o porco, teríamos que responder, ‘estamos fazendo todo o possível, mas os humanos não são fáceis de lidar, são séculos de hábitos arraigados para transcender. Continuaremos lutando pela abolição com todas nossas energias. Mas, por hora, o máximo que podemos fazer é aumentar o tamanho de seu cativeiro, melhorar suas condições de vida e amenizar os horrores da sua morte’.

Como será que ele reagiria? ‘Muito obrigado por seus esforços, todo alívio é bem-vindo! E tomara que consiga nos libertar no futuro’. Ou ‘muito obrigado, mas se não pode libertar a mim e aos meus, migalhas bem-estaristas jamais aceitaremos’.”

Assim como o abolicionismo humano no Brasil (Lei Áurea de 13 de maio de 1888), ocorrido de modo não-descolado de um complexo processo sócio-histórico (lembremos que a lei da abolição foi antecedida, no âmbito das conquistas legais, pelas leis do “Ventre Livre” – de 28 de setembro de 1871 – e dos “Sexagenários” – de 28 de setembro de 1885), devemos nos entender quanto a necessidade de se fazer presente um processo sólido que ligue a ponta inicial da defesa de animais domésticos e de companhia e das medidas de bem-estarismo (“lida gentil” e “abate humanitário”) à ponta mais vanguardista que responde pelo nome de abolicionismo e direitos animais.

Levar em consideração o exposto acima não é deixar corromper nossos ideais, é sim empenho na elaboração e execução de um planejamento capaz de instaurar o senciocentrismo, ainda que não imediatamente, mas sempre de modo firme. Nós, veganos, devemos revisar nossas alianças (e desalianças). A estrada abolicionista poderá ser pavimentada nas abertas (e por abrir) trilhas “protetoras” e “bem-estaristas”, afinal, é andando que se faz o caminho.

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NOTAS

[1] ZOCOLOTTO, A. M. A imposição da violência. Disponível em: <http://www.anda.jor.br/?p=29270&gt; ou em: <http://www.pensataanimal.net/artigos/142-allan-menegassi-zocolotto/345-a-imposicao-da-violencia&gt;.

[2] Lei Nº. 9.296 de 15 de julho de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9294.htm&gt;. Acesso em: 09 mar. 2010; Lei Nº. 10.167 de 27 de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L10167.htm&gt;. Acesso em: 09 mar. 2010.

[3] MATTEDI, José Carlos. Fim da propaganda de cigarros foi fundamental para queda do consumo entre jovens, avalia pesquisador. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/01/28/materia.2007-01-28.0516028868/&gt;. Acesso em: 08 nov. 2009.

[4] Modelos jovens, bonitos e saudáveis também aparecem nas propagandas e embalagens de produtos de origem animal. A saúde é identificada, por esses recursos de marketing, com o consumo de produtos animais enquanto que, cada vez mais, parece vir se tornando unanimidade, entre médicos e nutricionistas, a informação de que a ingestão de gorduras animais é o que mais pode culminar em prejuízos à saúde humana.

[5] VERDAGUER, Jean Pierre. Abolicionismo: vanguarda utópica ou futurista. Disponível em: <http://www.anda.jor.br/?p=21068>. Acesso em: 09 mar. 2010.

Fonte: Vista-se

A raiz da violência

Introdução

É comum nós veganos sermos tachados das mais diversas formas. “Radicais” quando denunciamos a existência de preconceito para com as outras espécies. “Fúteis” e “ousados” quando advogamos em prol dos direitos animais e nos “esquecemos” da dura realidade e da ausência de direitos assegurados à maioria dos seres humanos. “Utópicos” quando defendemos um paradigma capaz de subsidiar relações interespecíficas não-violentas nem exploratórias.

No final das contas, e na melhor das hipóteses, é como se estivéssemos errados em “desejar” tanto num mundo tão carente e sofrido. É como se pedíssemos um clafoutis de cereja com creme de avelã sendo que o máximo possível seria um bolo de cenoura.

A despeito de como mais sejamos nomeados, defendemos a justiça e a urgência da ampliação da comunidade moral e reconhecemos que a negligência dessa questão e a desqualificação dos que se propõem a pensar sobre ela não passa de discriminação tão recalcitrante quanto a machista, a racista e a xenofóbica. Entendemos, inclusive, que o alargamento moral é pré-condição para a instauração do mundo justo e pacífico almejado por tantas pessoas.

O preconceito, em todas suas formas de manifestação, possui uma matriz comum: a desconsideração para com as semelhanças e o desrespeito para com as diferenças entre discriminante e discriminado. Entretanto, por mais que seja, em alguma medida, conhecida, apenas timidamente tal matriz é denunciada e desconsiderada ainda, a real extensão e gravidade do fenômeno, segundo aponta um número já razoável de pessoas que se posicionam reflexiva e criticamente no mundo tomando para si a tarefa deontológica de biografar suas vidas em torno de uma ética renovada.

Negros, asiáticos, indígenas e não-heterossexuais são alguns dos que por diferirem do padrão fixado como de normalidade ou correção moral – ditado arrogante e violentamente por homens caucasianos heterossexuais e abastados – sofrem todo tipo de violência: alcunhas pejorativas, chacotas públicas, perseguições, ameaças, impedimentos, explorações, agressões físicas, execuções sumárias, brutalidades, etc.

“As diferenças devem ser respeitadas”, comumente se ouve, no entanto, esse apelo de reconsideração moral não supera os lindes do antropocentrismo. A proposta desse texto é fazer coro aos que anunciam a existência de similitudes constitutivas entre as espécies e defendem as diferenças respeitáveis como não-exclusividade humana. Enunciando de outro modo, têm-se o anúncio e a defesa de que “nós, humanos, somos parecidos, afinal, a todos os outros animais, e as diferenças, entre nós mesmos e entre eles e nós, não bastam para ser tidas como superioridade que legitime a estigmatização coisificante e a exploração de quem quer que seja”, por isso, discute-se aqui o especismo que está mesmo no âmago de todas as formas de preconceito.

A matriz discriminante

O termo especismo se refere à discriminação habitual que é praticada pelos humanos contra seres de outras espécies. Sendo sentimento amplamente arraigado, manifesta-se de modos e em ocasiões diversas. Pode ser para com todas as espécies que não a humana ou a escolha de alguma(s) espécie(s) como alvo de proteção e outra(s) como alvo de discriminação. De todo modo, na vigência do paradigma antropocêntrico, a concessão de algum direito a qualquer animal está de acordo com uma deliberação explicitamente utilitarista. É o homem quem avalia e taxa as espécies como “dignas” ou “indignas” de consideração moral.

A afirmação dos animais não-humanos como seres definitivamente dessemelhantes e inferiores pretende justificar a redução dos mesmos ao estatuto de meros recursos e artigos de propriedade de que os seres humanos dispõem para a satisfação das suas necessidades supostas e dos seus desejos. As consequências da arrogância especista vão no sentido da permissão moral para a preação, a clausura, a exploração, a tortura e o assassínio de todas quantas forem as espécies que estiverem dentro da zona de interesse humano.

O especismo responde pela matriz discriminante que subjaz a todas as formas de discriminação. Sob o machismo, o racismo, a xenofobia, a homofobia e todas as demais formas de preconceito, subsiste a discriminação para com a animalidade, discriminação para com outras espécies – aqui tomando o vocábulo ‘espécie’ como categoria e não, necessariamente, como espécie biológica.

Homens e mulheres, brancos e negros, cidadãos e estrangeiros, adultos e crianças, e não apenas humanos e animais, são vistos pelo homem branco europeu ou eurodescendente como seres de ‘espécies’ distintas. Uma vez que a exploração e a sua legitimação ocorrem pari passu, frisa-se a existência de supostas diferenças intransponíveis capazes de legitimar os níveis e subníveis de consideração e desconsideração morais e, desse modo, as formas todas de exploração obtentoras de benefícios ego, andro, etno ou antropocêntricos.

Toda vez que um grupo de pessoas é negado em sua dignidade, apela-se para uma equiparação com os “brutos”. As crianças, os idosos, os estrangeiros, os negros, as mulheres, os homossexuais, os religiosos de outras denominações, todos são tidos como tão desprovidos de racionalidade e potencialidade intelectiva superior e tão repletos de instintos e lastros naturais quanto os animais.

“(…) O mito da pureza, a submissão dos animais ao homem, a idéia existencialística da forma perfeita, foram as bases de toda a forma de discriminação. Santo Agostinho já havia entendido isso, pois onde há discriminação humana versus não-humano e maltrato aos outros viventes, há o modelo para submeter o homem ao homem. Não é por acaso que o operador discriminativo sempre apelou à natureza zoomorfa do discriminado: o louco, a mulher, a criança, o estrangeiro sempre foram representados como animais ou como portadores de uma maior dose de animalidade. (…)” (MARCHESINI)

Os dizeres veganos “Libertação Animal, Libertação Humana” estão em perfeita sintonia com essa constatação. A reforma da ética para o reconhecimento e a defesa das três liberdades relativas ao corpo – não ser aprisionado, não ser escravizado e não ser assassinado – a todos quantos sejam capazes de experienciar dor e prazer é o que está incluído na proposta vegana para o mundo. A ética senciocêntrica contraespecista é apontada como antídoto contra as atrocidades cometidas pelos homens em sua solidão de espécie, em sua arrogância de suposto unigênito e protagonista exclusivo da face da Terra. Daí que os discursos e as práticas veganos, porque abolicionistas, sejam distintos dos discursos e práticas protetores bem-estaristas. O apelo vegano é por jaulas vazias e não por jaulas maiores, para tanto, são enunciadas as similitudes entre animais humanos e animais não-humanos.

Enxergando o semelhante no dessemelhante: alargando o círculo

A discriminação é sempre motivada pelo desejo ego, andro, etno ou antropocentrado de conquista e benefício próprio dos detentores de poder que não concebem impedimentos de qualquer ordem para as suas ânsias, alheio destruidoras. Pareado a esse movimento cujo objetivo é o ganho, vão-se tecendo concepções capazes de, supostamente, legitimar suas ações para o mundo e, em especial, para si. Para tanto, os potentados ignoram ou subestimam todas as semelhanças entre si – o discriminador – e aqueles que são discriminados e diferenças absolutas e intransponíveis são elencadas.

Essa posição que é nomeada por muitos de “cegueira ética circunstanciada” pode ser criticada nos termos postos por Charles R. Magel na sua consideração à pesquisa com cobaias. “Pergunte para os vivisseccionistas por que eles experimentam em animais e eles responderão: ‘Porque os animais são como nós’. Pergunte aos vivissecccionistas por que é moralmente certo experimentar em animais e eles responderão: ‘Porque animais não são como nós’. A experimentação animal apóia-se em contradição de lógica.”

O que há, de fato, é um jogo de forças que, para além da existência de diferenças reais justificativas de inferioridade, se opera nos termos de uma dinâmica de interesses ego, andro, etno ou antropocêntricos e que se veem, de repente, criticados e impelidos a pensar sobre si e se autojustificar.

Por mais que essa discussão não produza resultados comuns,  algo nela é inegável: a definição e a defesa dos Direitos Animais não representam uma posição filosófica infundada ou uma questão ética menor, ao contrário, estão mesmo no cerne de toda a definição de uma ética do dever.

Muitos são os teóricos cujas produções representam, em alguma medida, os fios que hoje compõem a trama do movimento pela Ética Animal quer seja no nível do Bem-estar quer seja no nível dos Direitos Animais. Apesar das diferenças constitutivas entre esses dois níveis, o que entra em debate é a definição de como tratar as semelhanças e as dessemelhanças constitutivas dos terráqueos.

Desde Darwin, os cientistas têm concordado que não há, biologicamente falando, qualquer diferença “mágica” e essencial entre seres humanos e outros animais e essa constatação é capaz de subsidiar considerações morais de primeira grandeza. Estando todos os organismos em um mesmo continuum físico logo, deveriam estar, igualmente, em um mesmo continuum moral. Porém, não é assim que a realidade se tem apresentado. De acordo com as morais tradicionais concebe-se uma barreira ilhando humanos em relação ao restante da natureza.

As condições usualmente apontadas para a posse de direitos – capacidade de reivindicação de direitos por parte de quem pretende possuí-los, reciprocidade entre direitos e deveres para com os outros e acordo intersubjetivo prévio que dê o “direito de ter direitos” (contrato social) – aplicam-se apenas a agentes morais ou humanos paradigmáticos (caracterizados por autonomia, capacidade de decidir e agir segundo princípios morais e obrigação de responder pelas suas ações perante outrem) e não a pacientes morais ou humanos não-paradigmáticos (caracterizados pela incapacidade de agir autônoma e responsavelmente), ficando fora da esfera moral, de acordo com esse paradigma, por exemplo, todos os recém-nascidos e crianças, deficientes físicos e mentais profundos e idosos senis.

Entretanto, direitos são atribuídos aos humanos não-paradigmáticos tal qual a agentes morais, corroborando a tese de que, no que diz respeito a direitos morais, não há diferença entre agentes e pacientes morais. Desse modo, se direitos são atribuídos a humanos não-paradigmáticos, deve-se também, por uma questão de coerência lógica e moral, atribuir direitos a todos os animais que possuam as mesmas capacidades cognitivas e afetivas dos humanos não-paradigmáticos.

Essa ordem de justificativas para a Ética Animal pode ser encontrada sob diversas óticas, inclusive no “princípio de igual consideração a interesses semelhantes” de Peter Singer e no “argumento por analogia” a que Tom Regan faz referência. O que se vislumbra é a defesa da senciência como critério coerente definidor de pertença à comunidade moral. “(…) se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificação moral para recusar ter o sofrimento em consideração. (…)” afirma Singer.

Muitas são as espécies sencientes – capazes de experienciar dor e prazer – que devem ser incluídas no círculo moral e três são os tipos de evidências que suportam essa afirmação (de que sejam dorentes):

a) Evidências anatômicas: existência de um efetivo sistema nervoso cuja função é justamente permitir a seu portador, experienciar dor e prazer, posicionando-se diante da vida com o capacidade de, descobrindo agressores que atentam contra suas integridades física e psíquica e, fazendo uso de sua autonomia prática, desvencilhar-se da ameaça dos mesmos, procurando, destarte, ter assegurada sua sobrevivência;

b) Evidências comportamentais e fisiológicas: manifestação de comportamentos e “eventos” orgânicos sabidamente relacionados à dor, ao sofrimento e à ansiedade, tais como diarréia, tontura, hiperidrose – transpiração excessiva –, hipertensão, taquicardia, midríase pupilar – dilatação da pupila –, inquietação, tremores, urgências urinárias, formigamentos, etc. e outros comportamentos relacionados com o interesse manifesto pela vida continuada – fuga, bote, rosnado, etc.;

c) Evidências neuroquímicas: existência de substâncias neurotransmissoras conhecidamente associadas à senciência, à transmissão da dor e à efetuação de respostas contra as causas da mesma.

O âmbito dos sistemas morais deve ser alargado ao ponto de abrigar todos os seres dorentes e não apenas o ser humano, isso é o que defendem os abolicionistas. Essa é a implicação moral trazida pelo darwinismo mas amplamente negligenciada. “Dor é dor, independente de quem a sofre” afirma Richard Ryder. Uma quantidade X de dor em um cão, uma vaca ou um coelho equivale a uma quantidade X de dor em um ser humano. É a dor que importa e não o dorente.

Ryder é autor de uma crítica consistente ao utilitarismo que concebe como objetivo da sociedade a consecução de maiores taxas de bem-estar para maiores quantitativos de indivíduos. As teorias utilitaristas entendem a dor como algo que deva ser minimizado e o prazer maximizado e que um bom Estado, governo, instituição ou situação possa ser conhecido pelo excedente de prazer, pela diferença positiva entre os níveis de prazer e os níveis de sofrimento, genericamente considerados.

Ryder, ao contrário, propõe que a dor em cada matéria seja individualmente tomada e que a ruindade de uma ação seja julgada pelo nível de dor sofrido pelo indivíduo que por ela mais sofra – o “sofredor máximo” – e não pelo quantitativo de benefícios conseguidos para um número maior de indivíduos. A bondade ou ruindade de uma instituição, uma situação ou do que mais for deve ser aferida pelo ser que mais sofre e não pelo que mais goza. Não devem servir as altas doses de prazer, coletivamente tomadas, para atestar a qualidade de uma situação, e sim as baixas doses de sofrimento envolvidas, desde o âmbito do indivíduo.



“u.p.” e “u.d.” são, respectivamente, hipotéticas “unidade de prazer” e “unidade de dor”.

Das três situações imaginárias apresentadas, a situação “i” é a que gera mais prazer e a que possui um maior excedente de prazer em relação ao sofrimento. Nesse sentido, em comparação com as demais, pode ser identificada como a situação que mais se adequa ao que é afirmado pelo utilitarismo como “estado ótimo”. Entretanto, dentro de uma perspectiva senciocêntrica contraespecista, nem a taxa de PA, de PIM ou de PL servem para classificar uma situação qualquer. É o nível de DA e, em especial, o nível de DIM (o “máximo sofredor”) que devem ser os critérios qualificadores de boas e más situações.

Cada indivíduo (dorente) experimenta suas próprias dores e essa realidade não pode ser negligenciada por concepções éticas que concebam a moralidade do “sacrifício benfazejo”. Dentro de uma perspectiva senciocêntrica, faz-se uso da política do “ninguém a menos”, porque se entende como injustificável a coisificação de qualquer ser senciente, independentemente dos possíveis benefícios que tal ação traga para um coletivo.

Para além dos que se ocupam em anunciar analogias entre os animais não-humanos e animais humanos como justificativa absoluta e necessária para a defesa dos Direitos Animais, existem teóricos que concebem pertinência intrínseca aos Direitos Animais, baseando-se na consideração para com a subjetividade animal. Destarte, não é a similitude a seres humanos que torna tal ou qual espécie defensável, mas seu valor inerente, o fato de um ser apresentar-se como “sujeito-de-uma-vida” (Tom Regan) ou “vulnerável” (Sônia Felipe).

Quaisquer sejam as perspectivas defendidas, a reflexão filosófica sobre a consideração ética devida aos animais é determinante para questionar a visão antropocêntrica do mundo e do mundo judaico-cristã ocidental, em especial, ao mesmo tempo que constitui contributo inestimável para a alteração de hábitos e costumes humanos que põem em causa a integridade de outras espécies e o próprio fenômeno Vida terráquea. (BECKERT)

Vozes éticas

Direitos Animais por analogia ou por inerência, conforme apresentados acima, podem ser encontrados sem academicismos em escritos, discursos e práticas dos mais diversos agentes humanos em seus ativismos cotidianos.  Os argumentos de uma ou outra definição não são facilmente classificáveis, mas aqui são distinguidos em (1) argumentos “contra o embrutecimento do ser humano” e (2) argumentos “em prol do alargamento da comunidade moral”.

Deve-se lembrar de que tais classes não são, em absoluto, mutuamente excludentes e os resultados conquistáveis com uma possível aceitação social de qualquer dessas duas categorias possivelmente sejam parecidos. A tônica dos movimentos veganos não se restringem em tal ou qual frente e sim consubstanciam esforços para que ambas classes de propagação do senciocentrismo cheguem a um número cada vez maior de pessoas humanas.

1) Contraembrutecimento humano

A crueldade para com animais embrutece o homem e habilita-o à cometer crueldades contra qualquer vivente, inclusive outros seres humanos. Nesse sentido, depreende-se que a exploração animal e a exploração humana são dimensões irmãs de um mesmo e amplo processo de naturalização da violência contra o outro e da anulação da alteridade. Sob essa perspectiva, faz parte do progredir das morais humanas o reconhecimento de direitos aos animais porque irmãos em senciência.

Seguem abaixo algumas citações referentes a esse argumento, facilmente acessáveis, e que, em alguma medida, constam de muitos meios proveganos impressos e eletrônicos.

“A compaixão pelos animais está intimamente ligada a bondade de caráter, e pode ser seguramente afirmado que quem é cruel com os animais não pode ser um bom homem.”
(Arthur Schopenhauer)

“Enquanto estivermos matando e torturando animais, vamos continuar a torturar e a matar seres humanos – vamos ter guerra. Matar precisa ser ensaiado e aprendido em pequena escala; enquanto prendermos animais em gaiolas, teremos prisões, porque prender precisa ser aprendido em pequena escala; enquanto escravizarmos os animais, teremos escravos humanos, porque escravizar precisa ser aprendido em pequena escala.”
(Edgar Kupfer-Koberwitz)

“Crueldade é algo que está presente em famílias humanas por incontáveis eras. É quase impossível alguém que é cruel com os animais ser generoso com as crianças. Se, se permite às crianças a crueldade contra seus animais de estimação ou outros que cruzem seus caminhos, elas aprenderão facilmente a ter o mesmo prazer com a miséria de seus semelhantes. Essas tendências podem facilmente levá-las ao crime.”
(Fred McGrand)

“Incêndios propositais e crueldade com animais são dois dos três sinais de infância que sinalizam o potencial de um assassino serial.”
(John Douglas)

“Entre 135 criminosos, incluindo ladrões e estupradores, 118 admitiram que quando eram crianças queimaram, enforcaram ou esfaquearam animais domésticos.”
(Ogonyok Soviet anti-cruelty magazine)

“Até que tenhamos coragem de reconhecer crueldade pelo que ela é – seja a vítima um animal humano ou não humano – não podemos esperar que as coisas melhorem neste mundo… não podemos ter paz vivendo entre homens cujos corações se deleitam em matar criaturas vivas. Para cada ato que glorifica o prazer de matar, estamos atrasando o progresso da humanidade.”
(Rachel Carson)

“A não violência leva-nos aos mais altos conceitos de ética, o objetivo de toda evolução. Até pararmos de prejudicar todos os outros seres do planeta, nós continuaremos selvagens.”
(Thomas Edison)

“Primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação a natureza e aos animais.”
(Victor Hugo)

2) Proalargamento moral

Para além dos discursos que prescrevem a violência contra-animais e a exploração de animais com objetivo de “humanizar” o homem, há aqueles em que se pode encontrar a defesa da existência de semelhanças e diferenças constitutivo-respeitáveis entre animais humanos e não-humanos. Nesse sentido, a violência e a exploração, sob todas suas formas, são entendidas como erradas em si, para além da dimensão humana de humanização ou embrutecimento. Sob essa perspectiva, a violência contra-animais e a exploração de animais são entendidas como tão graves quanto a violência contra-humanos e a exploração de humanos.

Em grande medida, é a tese continuísta que justifica essa classe de argumentos. A aceitação científica acerca da existência de um continuum biológico entre todos os seres vivente subsidia a coerência da defesa de um igual continuum ético entre os mesmos.

As citações que seguem são características desse conjunto de argumentos.

“O erro da ética até o momento tem sido a crença de que só se deva aplicá-la em relação aos homens.”
(Albert Schweitzer)

“Os animais existem por suas próprias razões. Eles não foram feitos para os humanos, assim como os negros não foram feitos para os brancos ou as mulheres para os homens.”
(Alice Walker)

“Não há diferenças fundamentais entre o homem e os animais nas suas faculdades mentais… os animais, como os homens, demonstram sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento.”
(Charles Darwin)

“Por que é que o sofrimento dos animais me comove tanto? Porque fazem parte da mesma comunidade a que pertenço, da mesma forma que meus próprios semelhantes.”
(Émile Zola)

“Não importa se os animais são incapazes ou não de pensar. O que importa é que são capazes de sofrer.”
(Jeremy Bentham)

“Entre a brutalidade para com o animal e a crueldade para com o homem, há uma só diferença: a vítima.”
(Alphonse de Lamartine)

“Jamais creia que os animais sofrem menos do que o humano. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos.”
(Louis Camuti)

Finalizando

O que de mais profundo e constitutivo há em nós humanos, é igualmente presente e constitutivo em todos os animais: a natureza senciente, caracterizada pela capacidade de experienciar dor e prazer, pela autonomia prática, pelo interesse por uma vida continuada, pelo interesse em não sofrer dor, tê-la eliminada ou, pelo menos, minorada, pelo interesse pela integridade física e psíquica.

Caso voltemos nosso olhar sobre o percurso histórico do ocidente perceberemos que, aos poucos, embora não definitivamente, as morais humanas foram se dando conta das incoerências das restrições à pertença à comunidade moral. Hoje, inclusive, doutrinas, políticas e práticas baseadas na superioridade de povos ou indivíduos de determinadas origens nacionais, raciais, religiosas, étnicas ou culturais, são apontadas como racistas, cientificamente falsas, juridicamente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas. Nessa mesma direção, os veganos são aqueles que apontam que doutrinas, políticas e práticas baseadas na suposta superioridade de determinadas espécies, ou que a defendem alegando razões de origem genética, fisiológica ou anatômica são especistas, cientificamente falsas, juridicamente inválidas, moralmente condenáveis e socialmente injustas.

A pretensão vegana é pelo fim do especismo, pelo fim da contra-animalidade que impera no mundo, sobretudo de tradição judaico-cristã ocidental em cujas fileiras fez nascer a sociedade capitalista, desenvolvimentista, industrial e consumista – cúmulo dos impactos sociais, ecológicos e éticos.

Denúncia e anúncio são as duas faces de um programa maduro de “mudamundo” e desse modo têm se constituído os movimentos veganos. Denúncia das permanências injustas de um jeito de se fazer humano que traz memórias aprazíveis a poucos e tende a reproduzir o status quo matriz de violência e exploração. Anúncio da pertinência e da urgência de rupturas com esse curso histórico e de construção de um presente em que se configure uma dinâmica equilibrada de vetores de forças, desejos e interesses, que permita a todos dorentes, sencientes, viventes caberem no mundo e serem reconhecidos em suas validades intrínsecas e permitidos à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma: o seu fim, o seu bem, a sua lei.

De denúncia em denúncia e de anúncio em anúncio seguem adiante os que acreditam em outro mundo possível e entendem outro mundo preciso.

Referências

BECKERT, Cristina. Direitos dos animais. In: INSTITUTO DE FILOSOFIA DA LINGUAGEM. Dicionário de Filosofia Moral e Política. Disponível em:<http://www.ifl.pt/main/Portals/0/dic/direitos_dos_animais.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2010.

FELIPE, Sônia T. A desanimalização do consumo humano: desafios da ética vegana [palestra proferida na abertura da Reunião de Fundação da Sociedade Vegana, São Paulo, em 14 de março de 2010]. Disponível em: <http://www.sociedadevegana.org/index.php?option=com_content&view=article&id=16:a-desanimalizacao-do-consumo-humano-desafios-da-etica-vegana&catid=16:etica&Itemid=5>. Acesso em: 14 abr. 2010.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. As vantagens esquecidas de uma antiga aliança [artigo de Roberto Marchesini]. 01 dez. 2007. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=11034>. Acesso em: 24 mar. 2010.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. O pós-humanismo como ato de amor e hospitalidade: entrevista com Roberto Marchesini. Disponível em: <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_tema_capa&Itemid=23&task=detalhe&id=91>. Acesso em: 19 mar. 2010.

INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS. Pós-humanismo: o ser humano e o animal se hospedam um ao outro: entrevista com Cláudio Tugnoli. 16 out. 2006. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=1067>. Acesso em: 19 mar. 2010.

Painism. Disponível em: <http://www.richardryder.co.uk/painism.html>. Acesso em: 18 abr. 2010.

Speciesism. Disponível em: <http://www.richardryder.co.uk/speciesism.html>. Acesso em: 18 abr. 2010.

Utilitarismo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo>. Acesso em: 18 abr. 2010.

Allan Menegassi Zocolotto

Fonte: ANDA

Predadores e vampiros de vegetarianos

Direitos Animais

por Bruno Müller


Vez por outra recebo por intermédio de algum amigo vegano um link de mais um daqueles inúmeros textos que circulam na internet de carnívoros exercitando sua fina inteligência a ironizar vegetarianos e enaltecer o gene humano caçador. Não gosto de repassá-los para não alimentar a psicose alheia. Nem é preciso, pois quem já viu um, já viu todos. É sempre a mesma ladainha que sempre passa, invariavelmente, pela “vida secreta das plantas”. São os populares“alfascistas”. São, muito coerentemente, predadores e vampiros que se alimentam da atenção, raiva e bílis de vegetarianos desavisados.

Parece roteiro de filme B (ou C? ou Z?). A mesma fórmula batida com o mesmo enredo. Alguém descobriu que o tema “ode à carne” desperta a ira dos vegetarianos e, desde então, “jornalistas” sensacionalistas ou blogueiros carentes têm usado do artifício para suprir suas necessidades afetivas com um pouco de atenção negativa. E o filão não para de crescer, alimentado pela boa audiência de defensores de animais indignados. Os vegetarianos mordem a isca (pode ser especista, mas me parece uma analogia muito adequada!), e a trama segue o roteiro preestabelecido: uns xingam, outros amaldiçoam e alguns poucos até tentam falar sério – numa situação em que a seriedade só entra no enredo como “escada” para mais alguns exercícios de sarcasmo e humor “refinados”. Alguns carnívoros também se manifestam. Geralmente eles estão voltando de, ou partindo para, um churrasco. Sendo o Brasil o terceiro país do mundo em consumo de carne, não tenho motivos para duvidar da veracidade de suas alegações.

Toda trama bem-sucedida tem sua sequência, claro. O “escritor”, inebriado pela fama, começa amaldiçoando a educação no país – seus leitores formam uma massa de analfabetos funcionais incapazes de captar seu humor “inteligente”. Se a maioria discorda de você, está óbvio que é porque não sabe ler nem interpretar. Polemistas em geral sempre respondem aos seus críticos com uma condescendente acusação de estupidez e semianalfabetismo que, claro, lhes exime completamente da necessidade de responder às tais críticas com argumentos plausíveis. E se os fatos desmentem o polemista – pior para os fatos. Ele simplesmente os ignora. E eu, com minha limitada inteligência de vegano subnutrido, não consigo entender como pessoas tão inteligentes repetem sempre os mesmos axiomas que não requerem provas ou argumentos – até porque são autoevidentes, só veganos estúpidos não percebem.

Seguem-se mais algumas piadas sobre o destino terrível das alfaces (por que sempre as alfaces? Me faz recordar aquela corrente de email em que todo mundo pensa no martelo vermelho…). “Pelo menos o boi pode correr, seu vegetariano sádico!” Novos xingamentos, mais maldições e – o que mais me surpreende – pessoas (ainda) tentando argumentar numa “zona franca de argumentos”. Os carnívoros, do alto de sua douta sabedoria, proclamam-se os únicos aprovados (com louvor, certamente) nas aulas de interpretação (mesmo que sua redação seja sofrível). E, claro, condenam a agressividade dos vegetarianos. A sabedoria carnívora também desvelou há muito tempo que todo vegetariano é um hipócrita odiador de humanos protofascista e/ou adorador secreto de uma boa picanha. Com gordura! Com que prazer eles falam da camada de gordura da picanha! Num ponto eles realmente estão certos: não evoluímos muito desde os tempos dos primeiros hominídeos caçadores – e os evolucionistas ainda se questionam sobre a validade do conceito de atavismo?

Acusar o interlocutor de “fascismo” sempre ganha pontos nas pelejas virtuais. Especialmente quando você defende a existência de campos de confinamento onde seres sencientes são mutilados e engordados até a hora de terem sua jugular cortada para atender às frivolidades do paladar – não se esquecendo de aproveitar o couro para fazer roupas e almofadas, os ossos para fazer gelatina, e a tal gordura para fazer sabonete, dentre outras “utilidades” de uma carcaça que não pode ser desperdiçada. Definitivamente, as liberdades civis não podem sobreviver sem essa dose cotidiana de sangue, perversidade, abuso de poder. Afinal, não nos disse Oscar Wilde que “a civilização exige escravos” [1]?

Daí, como sempre depois de ler esses roteiros que fariam ruborizar Ed Wood, eu me pergunto: mas afinal, por quê? Alguns conhecimentos rudimentares de psicologia nos ensinam que a pessoa dependente de atenção não se importa se ela vem de forma elogiosa ou depreciativa. Desde criança aprendemos que “se você der corda à provocação, ela nunca vai acabar”.

Se um blog (ou coluna de jornal, ou mesmo cátedra de universidade) ganha destaque inaudito por uma determinada polêmica, a pessoa que procura antes a notoriedade que o conhecimento ou a coerência irá rapidamente encontrar naquilo seu “nicho de mercado”. É por isso que muitos polemistas que aparecem nos jornais, revistas, TV e, claro, na internet, começam com críticas tímidas, declarações cuidadosas, e até atitude respeitosa.  Quando se dão conta, porém, que falar mal de algum fenômeno da modernidade rende audiência (e dinheiro), eles atacam com todas as forças e cancelam os últimos vestígios de bom senso, pois o respeito é um crime imperdoável para o polemista.

A regra máxima do polemista é saber categorizar tudo e desmerecer qualquer discordância como “estupidez” e contestação como “ditadura do politicamente correto”. Essa última acusação é fundamental na sua estratégia . Ele precisa nos convencer de que está contra a corrente. Estar contra a corrente é inteligente. É cool. É cult. É in. (O polemista nunca perde a oportunidade de usar um termo em língua estrangeira. Inglês é bom. Francês é elegante. Se for latim, melhor ainda. O grande polemista usa os três – é quase um texto poliglota. Mesmo que os termos tenham similar na língua “vulgar” – o polemista nunca se limita ao vulgar.)

Mas o mais importante é: a crítica do polemista é sempre favorável aos poderosos. Sua independência jamais ataca os endinheirados. Sua inteligência enaltece os exploradores. Sua coragem nunca confronta os opressores. Afinal, esse papo todo de justiça social, direitos humanos, respeito pelos animais, veganismo e tal é conversa de gente sentimental, politicamente correta, desprovida de inteligência e, geralmente, de sexualidade desviante (o polemista tem uma mórbida fixação pela sexualidade alheia; ele não tem preconceito, as minorias é que não sabem brincar). E, claro, de fascistas. Você exige respeito, justiça e direitos iguais??? Ora, seu stalinista sádico! O único valor que o polemista preza é a liberdade. No caso, a liberdade de aprisionar, torturar e matar animais.

Um polemista é um predador feroz. Ele fareja sua vítima a quilômetros de distância, e seu ataque pode ser fatal. O problema para o polemista é: ele é previsível. Antever os seus passos dará a você a vantagem na perseguição. Polemistas são como as vacas: se eles puderem, irão matar você – então mate o polemista primeiro. De inanição. Por isso, ao vegetariano perdido no ciberespaço, fica meu primeiro conselho: faça o que fizer, nunca alimente um polemista.

O segundo conselho é: melhor que façamos nosso trabalho, divulguemos nossas ideias, apresentemos nossos argumentos. Existem muitos espaços que podemos ocupar antes de nos envolvermos numa batalha inglória com a inteligência do polemista – de tão inalcançável, ela me parece, na verdade, inexistente. Em terceiro lugar, não se esqueça: a primeira regra para conquistar o respeito é se dar ao respeito. Argumentos sempre ferem mais que xingamentos e maldições. Se você se sente impelido a pronunciar as últimas, deve ser porque não está suficientemente familiarizado com os primeiros. Então, antes de mergulhar num debate, mesmo que civilizado, sinta-se seguro de ter os argumentos para fazê-lo. Antes de convencer alguém a seguir seus ideais, você precisa saber exatamente em que eles consistem e quais seus fundamentos. Por isso, se você quer argumentar em favor dos animais, não se apresse: primeiro aprenda um pouco sobre nutrição, biologia, ciência e filosofia.

O que nos leva ao último conselho: a coerência não é um artigo de luxo. É necessidade básica. A sua incoerência pode e será usada contra você. Depois que você tiver aprendido um pouco sobre a causa que quer defender, ou seja coerente com ela, ou abandone-a, para o bem de todos. Um “defensor” dos animais que não é vegano não só faz mal a si mesmo, mas igualmente aos animais e à causa.

Por último, resta destacar que o culto carnivorista está se proliferando rapidamente. Logo ele não precisará mais vampirizar vegetarianos desavisados (e despreparados) na internet, pois está a ganhar ares de respeitabilidade intelectual (já andou sendo alardeado por alguns portadores do título de doutor). Suas armas, porém, são as mesmas: defender as liberdades civis de matar, torturar e oprimir; denunciar o fascismo totalitário de quem não respeita essas tradições tão nobres e populares.

Nosso conforto é que isso geralmente acontece quando uma ideia ganhou força o suficiente para não poder mais ser ignorada, e se tornou perigosamente subversiva. Certa vez disse John Stuart Mill: “todo grande movimento deve passar por três estágios: ridicularização, debate, adoção”. Pode levar 100 anos; pode levar 200 – o amanhã nos pertence.

[1]WILDE, Oscar. A Alma do Homem sob o Socialismo. Porto Alegre: L&PM, 2003, p. 44. Wilde foi ele próprio um grande polemista, mas de um tipo que não existe mais: aquele que realmente portava inteligência e desafiava as convenções do seu tempo.

Vegetariano sem riscos

Entrar nessa de uma vez pode prejudicar sua saúde. O segredo para abolir a carne do cardápio sem cair em cilada é montar um planejamento alimentar, como você irá acompanhar nesta reportagem


Por Rodrigo Gallo

Para muitas pessoas, ser vegetariano é sinônimo de ter uma vida mais saudável, com uma alimentação equilibrada e menos gordura no organismo. Realmente, é um pensamento correto. Contudo, como toda dieta, essa mudança de hábito alimentar precisa ser acompanhada por um especialista, afinal, o corpo pode não se adaptar às alterações logo de cara.

E entender a razão é simples. Pense: você comeu carne vermelha a vida toda. Sempre gostou de ir a churrascarias e rodízios. Nunca dispensou uma picanha na brasa ou uma maminha cheia de gordura. Então, como espera que seu organismo se acostume com a ausência desse tipo de alimento da noite para o dia?

Em parte, é uma questão psicológica. O corpo, porém, também pode sentir falta de determinados nutrientes presentes nas carnes, que serão descartadas na nova fase. O jeito, então, é fazer um plano alimentar para seguir em frente sem riscos. Vejamos algumas dicas básicas que podem ajudá-lo nessa tarefa.

Nos primeiros dias da nova dieta é permitido o consumo de carne, mas em quantidades menores

Vegetariano sem traumas

Você não é um robô que pode ser programado para qualquer mudança imediatamente. Então, não force demais o seu organismo. Nos primeiros dias da nova dieta, pode-se continuar comendo carne. Apenas reduza a quantidade.

De acordo com o médico Eric Slywitch, do Departamento de Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), o ideal é consumir apenas 100 gramas de carne vermelha durante os primeiros dias da mudança. Isso pode ser feito durante uma ou duas semanas – depende de como o organismo vai reagir.

Além disso, é essencial incluir alguns alimentos no cardápio logo de cara: um deles é o azeite. Ele é ótimo para regular o funcionamento do intestino e para reduzir o mau colesterol (LDL). Em médio prazo, também reduz os riscos de acidente vascular cerebral (AVC) e doenças cardíacas. Aumente também a quantidade de vegetais no prato, como beterraba (rica em licopeno, vitaminas do complexo A e B, minerais e cálcio) e alface (possui fibras e pequenos níveis de cálcio e fósforo).

A nutricionista Josefa Marinho, de Recife (PE), explica que é interessante adotar pães e alimentos produzidos com farinha ou tubérculo, por serem fontes de carboidratos, grãos e comidas integrais, que fornecem proteínas.

Comer uma maçã por dia também é uma boa pedida – e isso não vale apenas para o começo da nova dieta, mas sim para toda a vida, pois a fruta ajuda a manter as taxas de colesterol em níveis seguros, melhora a circulação sanguínea e ajuda na digestão.

Fonte: Vida Natural